Quando eu era criança me perdi por duas vezes. Uma num estádio de futebol quando sai para ver o show de Os Trapalhões, entre seis ou sete anos, não lembro com precisão o ano. Consegui lidar com a situação raciocinando que se conseguisse sair de lá e caminhasse pela rua principal da cidade, durante uma longa caminhada, chegaria à casa de minha avó, e dali chegaria facilmente em casa. Por volta dos oito anos me perdi no sítio de minha tia, que ficava entre Teixeira e Maturéia, e era por nós visitado com frequência, especialmente no São João e nas férias de julho. Depois de irmos em grupo tomar banho de açude fomos procurar os coqueiros para tomarmos água de côco. Decidi um pouco depois voltar para a casa sozinha, deixando meus primos e irmãos para trás. Fui orientada sobre que caminho tomar, mas, por engano, tomei outra trilha, pegando uma estrada errada. Caminhei por algumas horas e foi a primeira vez que com consciência pude observar às árvores ao meu redor, era algo como o personagem “Kaspar Hauser”, do filme de Werner Herzog, vendo pela primeira vez a paisagem e a luz. Foi a sensação de estar diante de um mistério revelado. Ao mesmo tempo era uma estranheza que não tinha tamanho.
Como caminhei muito e não cheguei a lugar nenhum, me dei conta de que havia me perdido. Assustada, pensei que se voltasse pela mesma estrada conseguiria chegar aos coqueiros e cajueiros, e assim talvez reencontrasse o grupo. Estar perdida em meio as árvores me assustou inicialmente, particularmente quando voltando não encontrava meu ponto inicial de partida. Por sorte encontrei duas moças no caminho, e foram elas que me reposicionaram na mata, me ajudando chegar com tranquilidade. Guardei aquele susto silenciosamente. Porque esse momento me surpreendeu bastante, porque me dei conta pela primeira vez que a vida envolve escolhas, riscos e perigos.
Só que havia feito uma grande “descoberta”, que as árvores eram parte de tudo que somos, nosso bios. Essas lembranças me vieram à tona ao escutar recentemente um alerta da ambientalista Lígia Tavares, numa reflexão sobre a ação de retirada das árvores da orla do município de João Pessoa. Segundo noticiado pela imprensa, a justificativa para a retirada é de que não é possível a permanência de árvores exógenas. Particularmente tenho muita dificuldade para entender o inadequação das castanholas porque sempre fizeram parte da paisagem, e porque estamos vivendo uma crise climática, na pauta do dia, em que diferentes instâncias de poder estão tendo que se deparar, agir e buscar soluções urgentes. Tendo que rever o modo de vida e consumo abaixo do Sol. Acho chocante sim caminhar pelas areias da praia e me deparar com lixo, com as tartarugas mortas por ingestão de plásticos e nas redes, de ver uma orla tomada de pneus e correntes, e de objetos que deveriam estar em academias de ginástica e não expostos nas areias da praia.
Coincidentemente assisti essa semana o documentário de Malu De Martino, chamado “Margaret Mee e a flor da lua”. Margaret, inglesa que viveu no Brasil por 36 anos, tendo se tornado uma das grandes nomes da arte botânica no mundo, e seu trabalho uma fonte de pesquisa na área. Vivendo aqui, ela realizou quinze expedições à Floresta Amazônica, nas quais não apenas documentou espécies como ilustradora, mas chamou a atenção do mundo, em meados dos anos 1980, para o desmatamento crescente da Floresta Amazônica. Esse contexto a fez atuar ao longo de sua vida como militante ecológica. Infelizmente, grande parte dos ambientalistas são tratados de forma estigmatizada como se não fossem gente desse Planeta. Quando parecem, em grande parte, capazes de prever e anunciar muitas catástrofes ambientais, e se posicionar de fato em defesa de questões centrais que são ignoradas até que a próxima catástrofe tome conta dos noticiários.
No documentário sobre Margaret Mee, especialistas entrevistados, problematizam a incoerência de ainda nos dias de hoje não se assumir um modelo de desenvolvimento que inclua a sustentabilidade ambiental. De fato, uma triste realidade, grande desafio, ou para quem tem o poder de decidir, uma escolha. Nas paisagens de concreto e diante da produção de tantos “paraísos artificiais”, pode parecer para alguns estranho defender a existência das árvores.
Certa vez tentaram derrubar uma árvore na minha rua alegando que ela era uma ameaça, sem nenhum laudo sequer. A árvore continua até hoje no mesmo lugar, nunca fez mal a ninguém. Linda, frondosa, abriga todo um ecossistema que dela depende, nos abriga com sua sombra, e torna a vida mais bela.
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