Último dia 20 de junho foi pauta intensificada na imprensa o Dia Mundial do Refugiado. De acordo com a ACNUR, Agência da ONU para os Refugiados, “refugiados são pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados”. A definição é clara e ampla, mesmo assim não alcança a complexidade das situações enfrentadas por refugiados e refugiadas no mundo. Estima-se que existem 24, 5 milhões de pessoas nesta condição.
Mesmo acompanhando diariamente jornais, e observando de longe os deslocamentos de sírios e africanos em busca de sobrevivência longe de seus países de origem, foi a entrada massiva de pessoas venezuelanas no Brasil que me impactou mais. Porque em nenhum momento imaginei testemunhar um êxodo “forçado” no país vizinho ou em qualquer outro território da América Latina. Em janeiro de 2017 escutava atenta ao relato profundo de uma amiga que vive em Caracas sobre a situação dela e de seus compatriotas. Uma escuta de grande aprendizado.
Pouco tempo depois vi chegar na Paraíba diversas famílias por meio do processo de acolhida e interiorização de pessoas refugiadas no Brasil. Ao me aproximar um pouco mais da questão venho pensando sobre isso, à medida também que desenvolvo junto com estudantes de Jornalismo da UFPB, ações de extensão voltadas à acolhida e integração, através do Cine Abrazo e Tertúlias Literárias Dialógicas. O que percebo nesse processo é o quanto à dinâmica da globalização tem sua escala de perversidade. Ao passo que a sobrevivência humana sempre esteve envolta em processos de mobilidade, nomadismo. Evidentemente que de forma espontânea, não forçada por guerras, embargos, violações aos direitos humanos.
As perdas não se restringem o espaço físico da pátria, e ao lugar simbólico da identidade. São inúmeras e intransponíveis. De ordem material e afetiva. Envolvem o modo de ser e estar no mundo, lugares de pertencimento. Aos que sobrevivem ao percurso até a acolhida noutro lugar, uma reinvenção de si. Observo essa realidade frágil e me deparo com as mulheres refugiadas que como mães cangurus lutam de forma valente para nessa travessia conseguir manter seus filhos e filhas por perto, em torno de si. Nem todas conseguem. Como canta o Beto Guedes, “muitos se perderam no caminho”. E esse luto elas muitas vezes sequer podem externar ou ressignificar, ocupadas em busca de trabalho e preservação dos que conseguiram manter-se vivos e/ou juntos. E muitas vezes sofrendo pelos que ficaram: pais, filhos, tios, avós, amigas e amigos.
Como se não fosse pouco, essa cartografia mutante dos refugiados e refugiadas, externa a xenofobia como um desafio a ser enfrentado. A xenofobia não se refere apenas ao medo às pessoas estrangeiras, mas rejeição, preconceito, aversão e ódio. Em 2016, Cortez Editora publicou Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro, de autoria do professor e pesquisador Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Como não poderia ser diferente, um trabalho de muita qualidade e pertinência, onde o autor problematiza a xenofobia como um dos grandes problemas de nosso tempo, a partir de uma abordagem multidimensional, mostrando como esse sentimento é atravessado por ambiguidades.
A desterritorialização tem muitas nuances. Talvez não estejamos tão fixos como pensamos. Num mundo de diásporas, as ciências e artes por vezes seguem tentando refletir, compreender e apontar caminhos possíveis. Duas lindas canções chegam neste instante, uma do Jorge Drexler, Movimiento, onde diz que estamos vivos porque estamos em movimento, nunca estamos quietos, somos transhumantes, somos pais, filhos netos e bisnetos de imigrantes. Seu refrão soa como um mantra: eu não sou daqui, porém você tão pouco. Já Diáspora, composto pelos Tribalistas, toca quase que diariamente numa abertura de novela global, um apelo, um alerta, pergunta: you, where are you?
Como esquecer do filme Babel, dirigido por Alejandro G. Iñarritu, em 2006 (também diretor de Roma), e ressaltar que de certo modo tudo nesse Planeta está interligado, por maior que sejam as distâncias e diferenças culturais. A vida, superando a ficção, e a imaginação tentando fiar caminhos de maior aceitação e inclusão.
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