No início da semana, na segunda-feira, eu começava o dia nadando. Enquanto eu nado penso mil coisas. Ainda estava pensando na emoção de grande parte do povo brasileiro ao testemunhar a saída do ex-presidente Lula da prisão, as reações contra, os memes, a movimentação nas redes sociais. Enquanto eu nado às vezes medito, faço minhas orações matinais. Tem momentos que eu choro, quando preciso. E me divirto muito também. Dentro da água eu balanço, olho para o sol, as nuvens, tenho medo das caravelas, quando estou nadando no mar. No mar eu sou quase um silêncio.
Quando estou dentro da água penso muito sobre ter estado no ventre de minha mãe. Acho até honestamente que quando estou nadando no mar tenho uma sensação de até estar mais próxima dela. A natação surgiu em minha vida ainda adolescente, quando eu sentia pânico de água por conta de um bullying sofrido na infância. Quando pedi permissão à minha mãe para ir nadar ela achou descabido inicialmente, mas permitiu que eu atravessasse a cidade em direção a um clube que oferecia aulas gratuitas. E sempre me dizia: “Cuidado! Água não tem cabelo”. Tudo na minha relação com as águas sempre foi desafiador e muito sagrado.
Desse momento inicial até aqui eu já nadei em alguns lugares fora de minha cidade natal, a exemplo do Sesc Açúde Velho, Sesi Clube do Trabalhador, ambos em Campina Grande. Mas foi na Academia Aquática, em João Pessoa, que pude finalmente, chegar a um melhor entendimento de uma das modalidades que desenvolvo. Há quase três anos estou integrada ao Projeto Mais Natação, desenvolvido por uma iniciativa do ex-atleta olímpico Leonardo Costa através da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano.
O Projeto atende, de forma majoritária, pessoas idosas e com necessidades especiais. É uma iniciativa aberta a participação da comunidade que sempre visa agregar e contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população.
Eu cheguei no Projeto Mais Natação assustada, ainda com os resquícios dos medos pela experiência traumática provocada na infância. Fui lindamente acolhida, não só pelos professores Ériko Silva, Edileide Cabral e Luciana Holderbaum, mas por uma turma de mais de quarenta pessoas. Por vezes me parece que a natação é apenas um pretexto. Porque o que vejo muito, a cada dia, são pessoas felizes por se encontrarem, por partilharem um pouco da vida, buscando ainda superar desafios como ansiedades, depressão, perdas.
Percebo as pessoas sentirem-se acolhidas e respeitadas, tendo um lugar de escuta e espaço acolhedor para receber um abraço coletivo e um bom dia encorajador. O Projeto Mais Natação tem sido uma rede afeto e solidariedade tecida por várias mãos. É impressionante quanto uma idéia, levada a sério e desenvolvida com responsabilidade, pode ter uma alcance amplo e contribuir efetivamente para a vida de muitas pessoas.
Sempre que me sentia ou me sinto amedrontada estando entre as ondas agitadas nas marés altas ou em dias de grande desafio, sei que posso contar com minhas amigas-sereias, mulheres que vivem a maturidade com plenitude, a exemplo de Terezinha, Fátima, Vilma, Lindalva, Cida, Corinta, Estela, entre outras mulheres que nunca me deixam sozinha. E isso faz toda a diferença, me ajuda a ir um pouco mais além a cada dia e me inspira muito na jornada de ser mulher.
Além do sentido da verdadeira sororidade, minhas amigas de natação me mostram cotidianamente o quanto existe de beleza, coragem, autonomia e potencialidade na vida das mulheres ao entrar na maturidade. Já os meus amigos da natação expressam gentileza ao se mostrarem respeitosos, cooperativos, cuidadosos e solidários nos motivando às diferentes ações sociais para além do Projeto Mais Natação.
Experiências como estas trazem aprendizado intenso sobre coletividade, comunitarismo, sair das bolhas, aceitar a si mesmo, aceitar a diversidade, respeitar as diferenças. São experiências de convívio e sociabilização saudável. Estar no social não tem sido fácil para ninguém nos últimos tempos. A cultura do medo tem levado as pessoas ao confinamento. Ao passo que as bolhas buscam transformar todo diferente em inimigo. Só posso afirmar aqui que vale a pena demais tentar sair um pouco das máquinas, dos lugares fechados, das prisões sem muros, e arricar perceber o que no outro existe de bom, e o que de fonte e renovação de vida a Natureza oferece, gratuitamente, todos os dias, como milagre.
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