(Esse texto é dedicado à memória das queridas Agostinha Vieira de Melo e Maria Letícia Peñido,)
A primeira vez que estive no Chile foi para participar de uma das Escuelas de Espiritualidad Ecofeminista, em janeiro de 2000, por fazer parte de um grupo ecumênico que refletia sobre espiritualidade, teologia e ecofeminismo: Chimalmans – Mulheres de Teologia. Em anos anteriores, minhas amigas Malú Oliveira, Rosemary Marinho e Elinaide Carvalho haviam estado numa das etapas de formação.
Na entrada do novo milênio, eu cheguei a Santiago do Chile, com outras garotas e mulheres de diversos países latinoamericanos, na véspera das eleições presidenciais, onde disputavam Ricardo Lagos e Joaquim Lavin. Aportei com o apoio da teóloga Ivone Gebara, de religiosas feministas e do Coletivo Con-spirando.
Esse meu primeiro momento no Chile transformaria minha vida para sempre. E eu, em nenhum momento preparatório da viagem, imaginei quão profunda seria esta experiência, uma expedição complexa por dentro de mim. Mas da primeira visão da Cordilheira dos Andes aos abraços de despedida ao retornar ao Brasil escutando a música do Intillimani, eu já não era mais a mesma. Jamais voltaria a ser. Despedi de uma parte de mim ao longo da jornada. Aquela parte que precisava deixar ir embora, para sempre. As mulheres com quem convivi lá e que voltei a reencontrar todas as vezes que voltei ao Chile para estudar (e que foram muitas) tenho uma enorme gratidão e cumplicidade, pois me ensinaram, de forma generosa, sobre cura profunda, fé e esperança. Contribuíram para o entendimento de que a dimensão Sagrada da Vida transcende os templos, dogmatismos e religiões.
Elas, antes de mim, romperam o silêncio, arriscaram suas vidas e sobreviveram às violações do Estado. Quando eu olho para o Chile agora, eu reafirmo a dimensão política do corpo das mulheres enquanto coletividade, do sujeito feminino/feminista situado, e da relevância de caminhar de mãos dadas pela Paz e Justiça frente ao um Necropoder que pode assumir vários nomes.
Ao acompanhar os desdobramentos da luta do povo chileno por direitos, dignidade e justiça social, eu sinto em parte uma vergonha imensa do individualismo em meu País, cujo sentimento de coletividade se restringe, muitas vezes, apenas às finais de campeonato de futebol. E esse alto preço pagamos todos e todas cotidianamente.
Quando acompanho também as notícias pela imprensa alternativa, comunitária e popular do Chile, celebro muito a vida dos queridos amigos e amigas de Eco – Educacíon y Comunicacíon, que tanto fizeram para formar gerações de comunicadores e comunicadoras, jornalistas, como eu, a nunca acreditar em visões simplistas da realidade social. Quando escuto a rádio Estrella del Mar, lembro das vivências em Chiloé e de tantas travessias que fiz pelo país com mochila nas costas.
Quando celebro hoje o Dia das Bruxas agradeço a todas as mulheres que passaram por minha vida, que enfrentaram as fogueiras do patriarcado, que das cinzas ressurgiram nos ajudando a reconstruir a história da humanidade e nossas próprias memórias. Celebro a vida das mulheres ancestrais, minhas avós, minha mãe, minha sogra… Celebro as mulheres de minha vida no tempo presente, parteiras de um novo tempo. Celebro a vida dos homens que não carregam dentro de si ódio pelas mulheres.
Quando eu penso em celebrar o dia de hoje, eu só tenho vontade de dançar ao lado das queridas Chimalmans: Malú Oliveira, Rosemary Marinho, Roselei Bertoldo, Anadilza Paiva, Graça Beserra, Elinaide Carvalho. Encantadoras mulheres, amigas de tantas jornadas, que hoje seguem seus vôos por diferentes espaços.
Nesse Dia das Bruxas seguimos afetivamente juntas, somando às mulheres do Coletivo Conspirando, e as todas mulheres que de modo generoso e sincero cantam, pintam e bordam, sopram novos ares sobre o mundo.
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