Recentemente uma cena viralizou, percorrendo assim o mundo hipermidiatizado, ansioso e neurótico com o excesso de informações. A imagem de que falo é a do Papa Francisco dando tapas numa fiel, em Roma. Certamente há quem não tenha visto, ou tão pouco se importado. Eu que vi o acontecimento veiculado pelo Twitter e mediado por um jornalista, imediatamente pensei na circulação rápida, na saia justa, no constrangimento para o Papa de se revelar humano e fiquei me perguntando sobre qual seria a decisão da Igreja Católica para gerenciar essa “crise” de imagem.
Pensei no dogma da infalibilidade papal. Eu que não tenho muito apreço por dogmas, por vezes não dou à mínima. Só que a questão estava latente na cabeça, por ter visto recentemente o filme dirigido por Fernando Meireles, Dois Papas, em que busca, num roteiro criativo, sensível e pertinente humanizar figuras públicas que são percebidas ao longo da história como deuses.
Em janeiro de 2018, quando estive no Chile pela última vez, fiquei muito chateada com a ida do Papa a Santiago no mesmo período que eu, que simplesmente comprei as passagens sem saber de sua visita. O que fez as passagens ficarem mais caras e as ruas lotadíssimas. A cidade saia de sua rotina: ruas interditadas, ativistas faziam protestos na Embaixada da Argentina. E hospedada ao lado da embaixada assistia a movimentação de camarote. Nem nas eleições presidenciais chilenas em 2000 vi tanta agitação em Santiago.
Assim pude ver Francisco, dentro do ritual já conhecido através das mídias de visitação pelo mundo. Num automóvel, acenando pelas ruas, com a multidão expressando euforia por encontrar seu líder espiritual. Noutro momento da visita o vi chegando à Universidade Católica. O encontrava de forma despretensiosa, e isso para mim era engraçado. E nesses encontros lembrava muito de todas as pessoas muito queridas que amavam Francisco. Minha mãe certamente o teria amado e teria achado a glória saber que por duas vezes o havia encontrado, ainda que sem programar. Minha avó paterna então, depois disso, iria me tratar como uma “pop star”.
No Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco se desculpou publicamente. Acho que um dos gestos mais profundos, o da humildade e reconhecimento da sua humanidade, e que isso é o mais real, digno e possível, mesmo no campo da fé, dos dogmas e dos espaços de Poder. Talvez ao reconhecer que é humano tenha se aproximado mais da figura de Cristo, que em sua sacralidade se fez gente e habitou entre nós.
Particularmente, o vejo no direito em dizer não ao se sentir irritado, ou invadido, ou puxado, ou sobrecarregado, ou indisposto. Se o fez reagindo instintivamente, o fez simplesmente, e certamente diante de um Vaticano e da Opinião Pública teve que se pronunciar. E para a mulher que o puxou? Um pedido de perdão. Qualquer um de nós faria, e o Papa é como nós, humano. O que falta e, que não saberemos nunca, é o contexto mais íntimo daquele acontecimento. Muitas vezes às imagens tiram os fatos de seu contexto. O acontecimento midiático pode ser um fato inconcluso, inacabado, por ser incapaz de abarcar a “totalidade” de sentido de uma situação real, porém sem dúvida alguma, é capaz de produzir inúmeros efeitos de sentido. As notícias são, simplesmente, uma representação da realidade, e não o fato em si.
Quando as situações passam dos limites é urgente e preciso dizer não. Também as igrejas ou as diversas instituições e organismos religiosos precisam dizer NÃO aos seus excessos, abusos e omissões.
Voltando ao filme Dois Papas, o roteiro busca situar o temperamento, os micropoderes diante do macro poder da instituição religiosa, os dilemas das duas lideranças da Igreja Católica, Francisco e Bento XVI. Sob meu ponto de vista, usa na narrativa cinematográfica uma estratégia nomeada por Charaudeau de “peopolização” que significa um neologismo para expressar a espetacularização do humano. Ao passo que constrói, quando se trata de figuras públicas, de grande notoriedade, uma narrativa de aproximação da intimidade, da privacidade. Espetaculariza de um lado e desmitifica por outro na busca por tornar a personalidade notória mais próxima da vida dos “comuns”, acentuando sua credibilidade.
Dizer não ao mito da perfeição me parece um gesto equilibrado, necessário e saudável não apenas ao Papa Francisco.
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