Eu não sei quem inventou, ou o que inventou. Se essa é mais uma daquelas datas comerciais como Dia dos Namorados, Pais, Mães, etc e tal. Observo apenas que o Dia do Amigo se tornou uma data bem mais visível ano após ano. Nesse período de isolamento social “amparado” pelas mídias digitais são canhões de cards circulando nas redes sociais. Pensava apenas que Dia do Amigo era assim todo dia. Ou especialmente naqueles dias mais densos da vida, em que a presença de uma pessoa que te percebe, te acolhe e se faz presente faz uma diferença enorme na existência.
Acho estranho os milhões de info-amigos. Honestamente, considero uma das coisas mais estranhas desse século XXI: uma cartografia online de “conexão” de pessoas que, em grande parte, não se relaciona. Que troca informação, que curte, ou compartilha, por vezes especula a vida dos outros, pega briga na internet. Ou no máximo deixa umas linhas registradas. Talvez essa impressão se relacione à relevância que dou a quem chamo de amigo ou amiga.
Não deixo de achar interessante de certo modo o que as infovias possibilitam para que a gente possa nos aproximar de pessoas, trocar informações, construir empatia, começar a cultivar relações. Semana passada achei o livro “O Pequeno Príncipe” numa estante da biblioteca. E sempre acho interessante as ilustrações. Ainda exerce um certo fascínio a frase: desenha-me um carneiro. É uma história começando. Muitas histórias começam pela navegação, como tantas terminam também.
Prefiro perceber amigos e amigas para além do espelho trincado da internet. Isso não significa dizer que não goste de ver suas faces estampadas nas fotografias dando conta de algum aspecto de sua cotidianidade. Mas amizade mesmo para mim tem que ser no corpo a corpo, cara a cara, risada e choro. Raiva, tem que ter ira, tem que ter briga, e agregado a isso, uma série de diferenças. Não podemos concordar em tudo, impossível. Tem que tecer história, daquelas que ditas em algum momento de reencontro vão fazer chorar de rir e também sentir um orgulho imenso da outra pessoa. Sertanejo é amigável, embora não seja de amizade aparente. Confia, desconfiando. Precisa de tempo para acreditar. E qualquer fissura na confiabilidade é capaz de mudar para sempre o curso afetivo da história de uma grande amizade.
Amizade acho que é uma vivência no campo do sagrado, da espiritualidade. Só que não é camaradagem, nem batidinhas nas costas, risinho sociável, ou aparição. Não chamo todo mundo de amigo não, porque acho a palavra forte demais, linda, e tem atributos muito relevantes para poder delegar a toda pessoa que conheço. Tem gente que não vale um tostão, imagine ser chamado de amigo. Mas certamente há amigos e amigas mais chegados que irmãos.
Sei também que é bem triste quando uma amizade acaba, embora seja necessário. Penso que já devo ter sofrido mais por fim de alguma amizade que por relacionamentos amorosos. E isso nos faz entender que esse tipo de vínculo não é naturalmente perene. Honestidade e reciprocidade são elementos fundamentais para permanência de uma amizade ao longo da vida. Sobre os “amigos” de copo, prefiro não os ter. Ao passo que é preciso discernir entre as pessoas que só se chegam para chorar as pitangas… e não se lembram do “amigo ou amiga” no resto do ano.
Já ouvi muito ao longo da vida que amigo só pai e mãe. Não acho que seja assim. Porque tem mãe e pai que não tem amizade com filho. Por vezes nem pai nem mãe consegue ser. Acontece.
Não conseguiria definir o que seja amizade. Está no lugar mesmo das experiências humanas. Desde 2008 que eu travei uma amizade com um ser bem diferente de mim, Nina, uma cachorra pinscher. Nunca imaginei que uma amizade falasse tão alto em mim. Muita cumplicidade. Ela não é gente, nem eu sou cachorra, mas somos duas vidas que dialogam bastante, todos os dias.
Num tempo em que nos relacionamos muito com as máquinas, quase que ininterruptamente, acho que me relacionar com uma cachorra, com plantas, com gente, ajuda bastante a atravessar as tempestades da vida e poder sobretudo celebrar presenças nutridoras da alma. É bom fugir da desenergização provocada pelo tautismo tecnológico, ou seja, um processo de comunicação que morre pelo excesso de “comunicação”, segundo o pesquisador Lucien Sfez. Aglomerar também não quer dizer muita coisa. Agora amar, estar junto e abraçar faz toda a diferença.
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