Desde semana passada eu estava numa latência para escrever sobre minha vida campinense. Pois vivi inúmeros períodos permeada pelas ruas daquele lugar. E hoje acordei e vendo jornais soube da partida da querida colega jornalista Karina Araújo. Karina como tantas outras pessoas afetadas pela Covid-19 não se resume a um número. É um universo inteiro. E dizendo isso lembro demais do meu amado Mia Couto quando vai falando que cada ser humano é uma raça, no sentido de ser um lugar específico inteiro, todo. Espero que o mundo saia desse abismo, e o Brasil da linha abismal, como tão bem retrata Boaventura de Sousa Santos.
Enquanto escrevo escuto Cartola, O Mundo é um Moinho. Depois de uma aula de Jornalismo Especializado, refletindo com estudantes sobre a segmentação jornalística, e na experiência de transpor um pouco de mim nessa página.
Falar sobre Campina Grande é também falar um pouco sobre Karina Araújo, de um sorriso muito lindo e de um dinamismo profissional incrível. Nos conhecemos cobrindo política na Câmara Municipal de Campina Grande. Ela por um jornal da cidade, e eu, por uma assessoria de imprensa. Ao lado de outros colegas como Laudicéia Ramos, Severino Lopes, Arimatéia Souza, Fred Oliveira, Bastos e tanta gente querida. A gente trabalhando muito, observando e narrando aquela instituição, seus parlamentares, as pautas sociais, os conflitos, as estratégias partidárias, e tudo o mais que representa cobrir o ambiente da política num país como o Brasil, e numa cidade como Campina Grande, que é tão polissêmica.
Embora o ambiente jornalístico seja competitivo, não sentíamos isso no cotidiano das atividades profissionais na Rainha da Borborema. Pelo menos no final dos anos 1990. Ao lembrar da Karina revejo muito o ambiente das redações do Jornal da Paraíba e do Diário da Borborema, das ruas estreitas onde funcionavam os prédios e sobretudo de me sentir parte daquela tribo de pessoas que sempre se encontrava, sempre às pressas de dia, e mais lentamente por vezes na Praça da Bandeira cobrindo alguma passeata, show artístico nos períodos do Festival de Inverno de Campina Grande, na escadaria do Teatro Municipal Severino Cabral ou no prédio da Faculdade de Jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba. Por esses lugares eu passei, Karina Araújo também. E todos eles dizem muito das nossas temporalidades na cidade que nos amadureceu.
Cheguei ainda muito imatura em Campina Grande, ingênua. E a cidade foi como uma estufa. Se tive alguma dificuldade em amadurecer, a cidade deu seu jeito, de todas as maneiras, de ser um rito de passagem para mim e também para tantas colegas de trabalho.
Nunca compartilhei com os colegas dos rios de lágrimas que chorei por lá naquela época. Apenas dos sorrisos e gargalhadas que foram tantas, especialmente nas maravilhosas noites de frio, momentos musicais lindos proporcionados por tantos músicos incríveis como Gabimar Cavalcanti e Kátia Virgínia, Tony Drumond, Pepisho Neto, Fidélia Cassandra, Emerson Urai, Tam, e tantos artistas que arrasavam, especialmente nos tributos à Elis Regina. Jornalista gosta muito de arte. E era assim que acabávamos nos encontrando depois das labutas.
Talvez a memória me ajude, enquanto a tenho, a recompor as paisagens que de certo modo vão se desfocando, se perdendo muito, com as passagens das pessoas. Passagem, talvez represente tudo que sejamos por aqui, uma paisagem que em movimento vai se diluindo um pouco. Sinto que sou uma mulher envolta em saudades, até como fala na música da banda Legião Urbana, sentindo “saudades de tudo que eu ainda não vi”.
Nessa “Independência” fui à Campina Grande, e fiz questão de passar nas ruas que fizeram parte das minhas passagens profundas: a Rua Independência e a Rua da Floresta. No feriado a cidade “vazia”, mas em mim tava povoadíssima. Quando era adolescente um dia passei por Campina Grande e algo muito interior me disse que um dia moraria ali. Claro, que não disse tudo que isso significaria.
Praticamente no mesmo dia em que sai de Cuiabá e cheguei em Campina Grande, em 1998, e saindo imediatamente para cobrir a prisão injusta de agricultores familiares fui transportada para o dia em que escutei minha intuição. Por coincidência o dia do passado e do presente eram dias de céu limpo e ar frio, eu começava a atravessar meu inverno para melhor florescer.
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