Que tem mais de trinta anos, e que por ventura estudou no Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba certamente compreende claramente o sentido das siglas que dão título a esse texto. Certamente na última sexta-feira se sentiram irmanados e irmanadas numa dor, numa tristeza provocada por uma notícia que desabou sobre nossas cabeças. Foi uma noite amarga, angustiante, nos fez entender e sentir ainda mais forte a linha abismal imensa na qual o Brasil, da ex brava gente, está ilhada num fosso diante de uma potestade genocida.
No último dia 19, faleceu o esposo de Lurdinha, o pai de Bia, o irmão de Tiago, o tio de Lívia, Leto para os mais íntimos. Para nós, professor Wellington Pereira, que conhecemos quando cursamos as disciplinas Preparação e Revisão de Originais (PERO) e Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa Jornalística (TREPJ), ministradas respectivamente no segundo e terceiro semestres do curso, do currículo criado nos anos 1980, mais precisamente 1985. Essas disciplinas representavam nossos rituais de iniciação no batente, a começar pelo barulho da sala de máquinas que levaram um tempinho, a serem mais silenciosas diante da digitalização da vida humana.
Eram nessas salas que o professor nos desafiava. De fala mansa e temperamento forte, ele sempre teve uma atitude de escuta. E isso nos marcou a todxs nós. Eu particularmente gostava de escrever, mas chegar nessa sala, mediada por ele, era começar a entender que entre o gostar e relacionar desejo, intuição, trabalho, leitura, entendimento do idioma e a pragmática do Jornalismo seria jornada que segue sendo até hoje, e que ali seria um ponto de partida. Era na sala barulhenta, com janelas bem abertas, uma certa desordem, entrada e saída de gente, momentos de escuta, a gente ia perdendo um pouco a inocência e idealização em torno do Jornalismo. Era nessa mediação que o Wellington nos provocava bastante, sobretudo com as leituras que ele fazia e que chegavam bem quentes, como Maffesoli, Cremilda Medina, Nietzsche, Nilson Lage, Nelson Traquina, Clarice Lispector. Eu não sei meus colegas, mas eu ficava muito aperreada. Porque era ir abrindo essa Caixa de Pandora, essa matrioska sem fim, que nós seus alunos e alunas continuamos descortinando até o tempo presente.
Eu também tinha medo de ficar reprovada nas disciplinas. E não era um medo natural, era sobrenatural mesmo. Tanto que me faz lembrar do nervosismo na hora das provas, da produção textual, de criar os títulos para matérias jornalísticas (uma das maiores dificuldades da minha vida). Mesmo cada pessoa construindo suas pautas, pesquisas, entrevistas, textos, revisão, o clima era muito colaborativo entre estudantes e sua presença era muito marcante na sala de aula. E como era de se esperar num ambiente jornalístico havia muito debate, e é preciso lembrar que ninguém cancelava ninguém, tinha preferências sem que isso resultasse numa bolha social, embora as assimetrias fossem um marcador.
Falo todas essas coisas com coração sofrido. Porque Wellington antes de partir sofreu a perda de um irmão, também por Covid-19, o que nos dá cada dia mais a dimensão trágica e revoltante dessa matança por aqui. Se “despediu” numa postagem na qual relatava que contraíra Covid-19. Teve esse cuidado com a informação nos últimos momentos de vida. E ao longo de minha trajetória fui novamente sua aluna no doutorado, e cursei Sociologia das Mídias, um dos melhores cursos que fiz. E pude contar com sua presença avaliando minha tese. O que foi uma alegria, mas que na ocasião me enchia de tensão também. Porque sabia que sua competência era do tamanho da sua exigência. Não deixava passar absolutamente nada. E assim dedicou sua visão a ler e pensar os nossos originais. E não foram poucas as horas dedicadas a ler e pensar sobre nossos escritos, seus próprios textos, que foram muitos, e estar presente na Universidade onde dedicou a maior parte de sua vida.
Pudemos fazer um cortejo em sua homenagem, pudemos levantar nossas vozes para falar sobre ele e agradecer, noticiamos sua partida. E choramos ao lado de sua família, ainda estamos derramando nossas lágrimas de saudade e inconformidade com sua morte precoce. E estamos aqui como terra fértil das sementes lançadas por ele em nossas histórias de vida. E esperamos sim reagir, acreditar, unir forças, sobreviver, não silenciar, para quem saber ver de novo esse país renascer.
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