Enquanto eu escrevo mais de 500 mil pessoas no Brasil morreram. Desde que o coronavírus chegou por aqui, diariamente escutamos o lamento de alguém querido externando a dor pela perda de pessoas amadas. Penso que sejam mais, muito mais que 500 mil pessoas. Nos falta precisão de dados, testagens suficientes, responsabilidade, seriedade e compromisso. Nos falta empatia, e fé que produz frutos. O país é repleto de diversidade religiosa, mas pouco, infelizmente, é o testemunho de uma fé que resulte em amor ao próximo. Apego ao dinheiro, ao poder, a fama, a gente tem sobrando por aqui.
Essa crise sanitária me remete muito à percepção do Sagrado em meu país, porque religiosidade a gente tem bastante, dogmatismo também. Mas no quesito ética ou bioética estamos aprendendo ainda. Não sou cética. Aprendi a ter fé. É algo que a gente vai aprendendo ao logo da vida, se nos foi pautado. Em geral é alguma pessoa muito amada que vai nos aproximando da ideia sobre Sagrado. E há muitas pessoas que também exercem seu direito a não ter fé em nada, nem ninguém. Fé, espiritualidade e religião são palavras e experiências humanas bem diferentes.
No decorrer do tempo da vida fui deixando a religiosidade e me desdobrando mais no cuidado de não deixar minguar a fé, a transformando em sinônimo de Esperança e Afeto. É triste imaginar que um país de tantas religiões que apregoavam a paz tenha se tornado um país belicoso, de caçada. É real que a violência urbana resultante das profundas desigualdades há tempos nos assola. Mas nunca havia visto expressões tão virulentas de uma sociedade tão religiosa e ao mesmo tempo sanguinária e descrente do amor e respeito pela vida. A tensão, o conflito e a inversão entre Ser e Ter. As crenças foram profundamente afetadas pelo consumismo e discurso glorioso da prosperidade.
Nesse tempo amargoso a gente fica tentando encontrar algum néctar. Foi assim que eu li o texto “Crítica com Alma”, escrito pelo Pedro Meira Monteiro, para a revista piauí. Pedro fala sobre o querido Alfredo Bosi, uma das mais de 500 mil vítimas por Covid-19 no país. Um texto sincero, poético, analítico, e de reconhecimento da trajetória de um homem coberto de dignidade e esperança. Uma escrita que nos fala que os bons e justos, ainda que partam cedo, nunca morrem. Essas pessoas sim vão continuar habitando nosso ser, e essas pessoas florescem, florescem muito e infinitamente. Diferentemente dos que se vestiram da banalidade do mal, tão bem descritos historicamente como sepulcros caiados.
Nesse Solstício de \Inverno, abaixo da Linha do Equador, não me visto mais de cinzas diante do luto, penso que sigo cantando ainda sobre os ossos secos todas as lindas canções deixadas pelas pessoas que partiram, catando todos os símbolos vivificantes da jornada deles e delas, crendo na ressurreição, na vida, nas transformações. Opto por colher as poesias que deixaram, os sabores, as palavras, as pinturas, todas as referências de amor maior. E agradeço muito, sou só gratidão por tudo que plantaram aqui.
Carrego ainda a Esperança de um fim desse ciclo de enfermidade profunda, não só do corpo. Eu planto os renascimentos diários. E sei que como existe começo, haverá certamente um fim. Isso, a dialética. Há quem tenha pavor da dialética e violentamente tente conter a irreversibilidade das horas e dos acontecimentos, inutilmente. As viradas sempre chegam. É da lógica natural dos ventos soprar, soprar e soprar…
Certa vez um homem sábio chegou para mim e falou que tudo passava. Levei um pouco de tempo para compreender a profundidade daquelas palavras. Na circunstância que atravessava achava tudo intransponível. Deixa que tudo era fluído, bastava apenas deslocar o olhar, e trazer um pouco mais para dentro. Mais que falar, aquele homem sábio, lindo e sereno, semeou em mim outros exercícios do ver, e isso foi parte importante de tudo o resto que veio depois ao longo da vida.
Pensar sobre a ressignificação do que consideramos Sagrado, das experiências Sagradas, é um movimento de fluidez, alteridade e desapego de tudo que aprisiona. Tudo passa…
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