Há algum tempo que quero escrever sobre uma tal rua Gravataí. Mas uma crônica só não basta. E pensando na tal rua situada na Paulicéia Desvairada, eu fiquei pensando nas tantas mudanças que já fiz. Quando falo de mudanças me refiro às de cidade. Eu ainda não viajei o tanto que gostaria. Mas acumulei mudanças de moradia de cidade, de Estado. E sei que o caminho mais difícil que fiz foi no início da juventude, saído do sertão ao litoral. Partir naquela saudade apertada, sabendo de nada, esperando por Tudo. O bom, os desafios, a novidade do mundo. Carregar no peito a sempre certeza do caminho sem volta. Foi preciso umas quase cinco horas para poder colocar uma parte das lágrimas que começaram a jorrar com o pôr do sol e se aplacaram apenas no desembarque. Respirar fundo e seguir.
Nessa primeira mudança foi apenas uma mala. A mais difícil de ser feita, embora tenha carregado consigo toda animação e excitação. Depois dessa vieram outras, não tão simples, todas necessárias. Partidas sempre me remetem aos quartos habitados. E sempre que penso nelas desenhos os quartos habitados. Outros deslocamentos me fizeram carregar além das malas, toda a simbologia e memória afetiva das correspondências, fotografias, fitas e CDs. Quando decidi sair de João Pessoa para Cuiabá fiz um sarau dentro do Mosteiro de São Bento, reunindo alguns poucos amigos e amigas. Uma noite linda, onde cantamos, recitamos, ouvimos música, nos confraternizamos e desenhamos juntos um painel que tenho comigo até hoje. A escritura daquela noite em nossas histórias foi das mais lindas.
Hoje algumas daquelas pessoas habitam o Infinito, como Alexandrina, Agostinha, Letícia, há outras que cruzaram o oceano e voltaram à África, e o Tempo foi desenhando as cartografias possíveis para cada Ser que cantou, recitou e se abraçou naquela noite.
Muito viva em minha memória a trilha sonora da ida à Cuiabá para residir, era o walkman tocando Magamalabares (Carlinhos Brown), do disco Barulhinho Bom, uma viagem musical, da Marisa Monte. E lá foram tantos deslocamentos. A vida esse movimento, um baile perfumado e sonoro, amplificado. Essa espiral do carimbador maluco, a cantar pluct-plact-zum… E assim a gente vai chegando de cidade em cidade, decorando as habitações e experimentando quem somos nós mesmos.
Já vivi deslocamentos hilários, muitos deles em Campina Grande, lugar que vivi em diferentes etapas da vida. A bem da verdade, parte de tudo era eu indo e vindo na BR 230. Ora sozinha, ora acompanhada. É inevitável não me sentir emocionada atravessando o trecho dessa estrada. Em cada direção da bússula que me levava a esses mesmos lugares acontecia grande revolução: de ideias, corpo, de projetos, de convívio. Campina Grande nunca foi apenas uma cidade, e sim um planeta em que fui orbitando, reencontrando o passado escrevendo no presente e sonhando.
Nas idas e vindas as bagagens foram se avolumando, se extraviando… Quantas pausas à beira do caminho para ver a chuva, as garças, o sol se pondo, a lua chegando. Quantas infindáveis viagens dentro de um ônibus parado no meio do caminho enquanto a BR 230 era duplicada. Quantos invernos com estrada e suas fendas. E quantos os acidentes no percurso da vida… Recentemente numa viagem de escape do mundo pandêmico voltei de Campina Grande ao entardecer e foi tomada por imagens da multidão de garças repousadas em três árvores. A imagem foi como uma explosão de estrelas bem na minha cara. Essa emoção singela que te chama para a vida.
Com a sabedoria das horas compreendemos que o Hoje é tudo que temos, e nessa temporalidade por vezes indivisível me sinto assim como uma tartaruga. Querendo apenas levar meu próprio casco nessas viagens lindas que a gente sonha e vive. Experimentando os percursos mágicos que nos vivificam. Talvez porque viver seja despir-se de tudo.
Deixe uma resposta