Tomo emprestado o título do belíssimo livro da Rosiska Darcy de Oliveira(publicado pela Rocco, 2003) para comentar o filme O curioso caso de Benjamin Button, dirigido por David Fincher. Para além de contar uma história de amor, o drama baseado num escrito de F. Scott Fitzgerald, cujo roteiro é de autoria de Eric Roth nos fala sobre o tempo como metáfora da condição humana.
A fotografia do filme fortemente marcada pelas cores sépia e azul são referências marcantes nas cenas, em que cada momento possui uma matiz simbólica própria, que associados ao nascimento e ao por do sol nos remetem a aliança entre vida e morte tão fortemente presente nos ciclos da natureza e representados na película. A história do homem que nasce sendo velho e morre ao rejuvenescer narra a capacidade humana de constante construção e reconstrução de sua própria história. Na vida de Benjamim Button nada parece estar tão ao acaso, sequer o “destino”.
Inteligentemente diretor e roteirista teceram esta adaptação com foco não apenas no amor entre os protagonistas( Brad Pitt e Cate Blanchett), que atuam brilhantemente, mas também em confronto com os fatos históricos que marcaram o século XX e XXI, especialmente mostrando as guerras e os prenúncios do Furacão Katrina que em agosto de 2005 deixou mais de mil e oitocentos mortos, denunciando assim a violência instituicional que paira sobre todos nós.
O relógio girando ao contrário, o envelhecer como nascimento, a morte sem sentido através das guerras e do descaso com a vida, a arte como espiritualidade e ethos, a fluidez e mobilidade das relações amorosas como parte da vida, a ruptura com as normatizações em torno dos afetos, os abandonos e a solidariedade, a humanização do ato de morrer são alguns dos aspectos presentes na reinvenção do cotidiano presente nesta narrativa.
Ainda no filme, a estação do trem e as águas são representações importantes da mobilidade humana que não perde a capacidade de surpreender, e mesmo para quem se propõe ficar no mesmo lugar não passa imune ao ser confrontado à realidade de que na vida como na morte há aspectos da passagem humana que não se pode represar.
O Curioso Caso de Benjamin Button é uma oportunidade quer seja de lazer e entretenimento apenas, quer seja de uma busca silenciosa para os que tem fome de alma(anima). É um filme que traz alianças e rupturas, risos e lágrimas, errância e permanência, sombra e claridade, vida e morte não como uma dialética raivosa, mas como expressão da multidimensionalidade da condição humana. A cronologia as avessas do filme é embalada pela musicalidade ímpar do jazz e blues, pela singularidade artistica de Nova Orleans.
Sandra Raquew dos Santos Azevêdo é jornalista e autora dos livros Cartografias. Escritos sobre mídia, cultura e sociedade e Gênero, rádio e educomunicação: caminhos entrelaçados(ambos pela Editora da UFPB).
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