Junina

O São João é a festa que meu coração celebra. Não que despreze festas como o Natal e sua bonita simbologia. Só que Natal está para mim como um pedaço do fim, o momento antes da Virada. Cresci com o São João como um dos momentos mais festivos da vida. Nesse ciclo natureza e cultura parecem ser uma só. O que não é simples. Na memória afetiva tendo vivido ciclos de chuva ou sol, a colheita grande ou pequena sempre chegava em forma de milho. O milho mais importante que o trigo, o algodão, o feijão e o arroz da terra. Em torno dele os rituais da casa e da rua.

Na casa, o ressoar dos forrós desde cedo, o rádio a tocar Marinês, Trio Nordestino, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Os Três do Nordeste, Dominguinhos, e todos os zabumbeiros, sanfoneiros e tocadores de triângulo. A chegada em casa das “mãos de milho”, vindas do sítio ou da feira, a revolucionar a cozinha, que se tornava uma fábrica de pamonha, canjica, e demandava a união de todas as pessoas da casa. Os menores, a descascar as espigas, e servir de contrapeso em cima da mesa, para dar firmeza ao moinho, e separar as melhores palhas para as pamonhas. Os maiores a moer e a ornamentar a casa. As mulheres a temperar a canjica e modelar as pamonhas e lançar à panela com água fervente (para mim tarefa de grande complexidade até hoje). Dessa fase lembro de brincar bastante com a população de lagartas que encontrava nas palhas, embora detestasse a coceira do cabelo do milho.

O que emocionava eram as casas abertas à partilha. Mesmo fazendo praticamente o mesmo cardápio à base de milho, havia sempre a troca das comidas juninas (de arroz-doce, curau, milho cozido ou assado…). As casas e ruas ficavam lindamente enfeitadas com balões e bandeiras feitas com restos de jornal, revista, fitas, bonecas de agave, abanos de palha decorados. Além da mudança no figurino, com os vestidos coloridos, muito enfeitados, de saia rodada. Xadrez e remendos nas calças dos homens. Chapéus de couro e palha.

Nas ruas, antes de junho, os ensaios para as quadrilhas mais populares da cidade, só perdia em frequência, para a Festa da Padroeira, especialmente nas ruas 18 do Forte, Espinharas, Deodoro da Fonseca e a quadrilha do Belo Horizonte. Mas isso foi antes da estilização das festas juninas, quando o espaço era mais heterogêneo, as relações mais comunitárias na vivência e compartilhamento do espaço urbano. A tentativa de homogeneização das festas juninas e a estrutura industrial dos festejos ajudou de certo modo a economia local e o turismo, mesmo que privilegiando grandes empresas. Mas empobreceu de certo modo a economia criativa que tenta ainda hoje sobreviver mantendo os elementos mais tradicionais dos festejos e seus símbolos.

São João para mim é solstício, e o que o antecede é movimento de acolher o que chega, deixar partir e desabrochar. Nesse mistério recebi meu filho e vivi a partida de minha mãe. Tempo das águas em partes abaixo da Linha do Equador. É um período para dentro também, mais íntimo, introspectivo, a noite mais longa. E um ano novo que começa para os povos originários da América Latina, a chegada de um novo sol.

Junho me faz ficar um pouco mais submersa nas memórias afetivas, como buscar novas paisagens, atravessar as pontes. Perguntando porque nunca quis aprender a fazer pamonha, mesmo anos depois tendo comprado um moinho igual ao da casa de minha mãe. Claro que eu sei o porquê: sempre achei difícil fazer aquela roupa de palha para vestir a pamonha. E acho que fazer num saco plástico não faz o menor sentido. E observava na infância que as mulheres nessas horas trabalhavam mais que os homens.

Aprendi nas andanças, ao longo da vida, outras receitas com milho, como os tamales mexicanos e o pastel de choclo, e o que significa a diversidade e segurança alimentar. Por isso considero a transgenia das sementes uma violência contra a natureza e a cultura alimentar. Ao passo que observo gente pagando caríssimo para voltar a comer o que fazia parte da nossa rotina nutricional.

Sendo junina sinto uma emoção grande ao escutar, em qualquer lugar que esteja, “olha pro céu meu amor, veja como ele está lindo, olha pra aquele balão multicor, que lá do céu vai surgindo…”