Há tempos estava com vontade de escrever sobre Quadrinhos. E confesso que com o lastimável episódio ocorrido na Bienal do Rio, amplamente divulgado pela imprensa, fiquei mais desejosa ainda. Não sou muito de ler quadrinhos de super-heróis, desses que a gente tem visto no cinema com regularidade. Leio mais as denominadas graphic novels (romances gráficos, literatura em quadrinhos), e com elas aprendo muito.
Comecei a ler quadrinhos com Maurício de Sousa, a quem sou grata. Cheguei a ler mais recentemente a Turma da Mônica em espanhol e inglês, tentando aperfeiçoar a leitura nos idiomas. Na adolescência li alguns quadrinhos da Disney e me divertia. Da infância a vida adulta as narrativas em quadrinhos são parte do meu cotidiano. Agora a leitura das “graphic novels” ampliaram meu entendimento sobre a vida e sobre o universo das narrativas gráficas.
Se eu fosse elencar o que senti ao ler Will Eisner certamente não caberia aqui. Acho que “Um Contrato com Deus” e “Pequenos Milagres” deveriam ser lidos por muitos pastores num domingo pela manhã. “Avenida Dropsie” e “Nova York: a vida na grande cidade” também são para mim obras de arte preciosas, relatos originais, de grande sensibilidade e primor técnico. Nestes tempos de crescente interdição é necessário redescobrir nos gestos de leitura a liberdade e o poder de transformar! Ler “Maus”, de Art Spiegelman me ajudou bastante a entender as consequências do totalitarismo e disseminação do ódio. Nele o autor entrevista seu pai, revisita sua própria história e de sua família ao escrever sobre a experiência de sobrevivência ao Holocausto.
Nem sempre ler quadrinhos é uma experiência de entretenimento apenas. Considero que os relatos conseguem em muitas situações tratar de um tema com maior profundidade e responsabilidade que muitos textos veiculados em jornais, que padecem asfixiados por falta de espaço. Joe Sacco não me deixa mentir, pois ao ler “Palestina” e “Reportagens” ampliei o olhar e melhor compreendi os dramas, dilemas e desafios que perpassam a relação conflitiva entre palestinos e israelenses; pude melhor entender os julgamentos de guerra e a vida de milhares de “indesejáveis” migrantes que estão atualmente na situação de apátridas vivendo entre-lugares.
Não posso esquecer nunca de Habibi (Craig Thompson)“Mafalda”(Quino), das “Mulheres Alteradas” (Maitena Burundarena), “Persépolis”, “Bordado” e “Frango com Ameixa”(Marjane Satrapi), de “Maria”(Henrique Magalhães), “Olga, a sexóloga”(Thaïs Gualberto). Personagens femininas densas, plurais, comprometidas com o tempo presente, poéticas e libertárias. No último fim de semana li “O Barril Mágico de Lena Finkler”, de Anya Ulinch, em que a personagem reflete sobre o amor, sexo e perdas, no enfrentamento de um divórcio, da solidão, da criação de filhas adolescentes.Na trajetória de personagem Lena Finkler, a gente vai percebendo as marcas e desencontros da ausência de uma educação sexual em uma geração de mulheres, numa cultura.
Sou conterrânea de Shiko (Lavagem), Deodato Borges(As aventuras do Flama) e Mike Deodato(Quadros), Paloma Diniz( Deleite: no fio da lâmina), entre outros artistas de narrativas gráficas. O talento e afeto de suas histórias, estética e traço povoam minha imaginação, contribuem para um aprendizado sobre o mundo em que vivo de um modo lúdico e profundo.
Acompanho a produção contemporânea de Marcello Quintanilha (Talco de Vidro, Tungstênio), Denis Melo (Beladona), Otto Guerra (quadrinista e diretor de cinema de animação). Autores e autoras que se dedicam a tantas questões verdadeiramente urgentes socialmente. Por isso penso que a gente precisa ler mais quadrinhos e menos manuais e cartilhas.
Agora, querer censurar quadrinhos na era da internet? “Santa ingenuidade Batman”!!!!!! Fico pensando em nossas crianças e adolescentes que vivem a experiência de navegação em seus dispositivos móveis, muitos sem qualquer orientação, aprendendo tanto a fazer panquecas quanto a dar cabo de suas vidas ou da vida dos outros. Certamente há questões mais sérias neste País para pensar, para se incomodar, para enfrentar.
O episódio da Bienal do Rio nos mostra quanto é inadmissível no tempo presente a interdição não só da liberdade de expressão, mas aos direitos civis, ao livre arbítrio no tocante às escolhas da vida, inclusive, a orientação sexual.
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