Eu acho muito estranho uma quarentena num país ensolarado. Só sei que quarentena é quarentena onde quer que você esteja no Planeta, mas cada um reage de forma particular a obrigatoriedade de manter isolamento. Confesso que quando tudo começou muitas imagens de filmes povoaram minha cabeça, de Resident Evil (que assisti apenas flashes) a tantos outros fragmentos de cenas apocalípticas. Desde a infância tive dificuldades de me manter quieta. Na adolescência também. Na idade adulta o mesmo.
A alternativa em todas as fases da vida foi criar: imaginar, andar, viajar, tocar um instrumento, fazer um esporte(natação), conversar, ler, pintar garrafas de vidro com tintas vitrais, tentar fazer crochê, aprender a técnica de patchwork, inventar de fazer velas(um fracasso), aprender espanhol(sucesso) e inglês, enfim, uma série de invencionices para manter dar conta da inquietude. Quando as demandas profissionais se intensificaram, e começaram a ser parte intensa e determinante da rotina tive que equacionar e driblar por ordem de prioridade.
Confesso que só faz muito pouco tempo que comecei a entender a necessidade do ócio. Todavia nessa quarentena não existe ócio não, porque para quem é professora e pesquisadora, parte do que se faz diariamente ocupa muito o lugar da casa, da vida privada, porque a gente atua ocupando dois lugares distintos: o da casa e o da rua, conjugados num espaço-tempo de produtividade, que traz muitas consequências, algumas delas nocivas para a saúde. Com o avanço da internet, isso só piorou, os aplicativos de comunicação tornaram a carga-horária de trabalho quase ilimitada (segundo entendimento de alguns, infelizmente).
Nessa quarentena, observando os dias de sol, acho tudo muito estranho, e fico sonhando com as chuvas que sei que de forma suave estão caindo no sertão da Paraíba. Converso constantemente com as amigas da lista Coisa de Mulher, pois são diálogos inspiradores, cheios de solidariedade e humor, partilhas essenciais à minha vida do tempo presente. Trabalho com meus alunos e alunas, de modo dinâmico e criativo, feliz pelos resultados dessa caminhada, em que observo nossas conquistas e crescimento acadêmico. Revejo os planos. Fico mais tempo com os mais queridos.
O espaço da casa se converte no lugar do brincar, de novas invencionices. O lugar da casa como barreira para proteção de todas as pessoas se converte naquele guarda-roupa do livro As Crônicas de Nárnia, em que a gente vai entrando mais a dentro e redescobrindo outros mundos que sempre estiveram conosco. Descobrir que seu filho faz sucos deliciosos. Observar que as responsabilidades domésticas se tornaram tão equitativas , que sobra tempo para todos.
O tempo de quarentena faz ainda pensar. Imaginar como esse sistema laboral, que desemprega massivamente poderia ser revisto. Que poderíamos nos deixar explorar menos na jornada de trabalho, para que muitas pessoas pudessem ter acesso a uma jornada. Utopia. Mais valia, quem nunca foi vítima disso? Nesse isolamento obrigatório muitos estabelecimentos comerciais se mantiveram abertos, sujeitando seus funcionários ao Covid-19.
É possível uma rotina numa quarentena? Sigo dizendo não a um cotidiano robótico, embora saiba ser difícil fugir ou adiar responsabilidades. Todas devidamente cumpridas. Agora a gente se abre a intensificação daquela leitura, a audição das músicas, do contato com as pessoas amadas, mesmo à distância. De repente a gente começa a catucar a caixa de correspondência, as fotos antigas, passear pelos lugares que já fomos um dia, e desejar novos horizontes para a humanidade.
A gente se vê quebrando os ovos numa panela, misturando o trigo, criando novos sabores, inventando novas receitas. A gente se pega chorando junto com as pessoas que estão sofrendo suas perdas, perdas que Governo algum vai reparar, não existe reparação para vida. Além do Covid-19, muitas perdas têm ocorrido por tantos outros motivos, todas, igualmente importantes.
E no meio de tudo isso a gente celebra a vida daquele irmão querido, cuja vivacidade nos tira da incerteza desses dias quase silenciosos. O silêncio tem sido uma presença constante nesses dias de quarentena. Poucos carros, poucos ônibus, ou quase nenhum, algumas bicicletas, poucos passos… E no meio do isolamento social, meus queridos colegas de profissão, jornalistas, que junto aos profissionais da saúde, continuam desempenhando bravamente e com dignidade seu trabalho de grande relevância social.
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