Aos queridos Ricardo e Márcia Lucena.
Essa semana partiu Ênnio Morricone, maestro italiano, conhecido mundialmente pelas trilhas fabulosas de filmes que circularam mundo inteiro. Ao passo que ele partia, professor Iveraldo Lucena estava se despedindo desse mundo. Repleto de amor e respeito. Consciência de si, de sua jornada, do mundo, e do entendimento dos ciclos de vida, morte e ressurreição. Acompanhei, como muitas pessoas, uma parte partilhada por seus filhos Ricardo Lucena e Márcia Lucena pela rede social, que poeticamente se “despediam” do seu pai. E na escuta de amigos e amigas mais próximas, compartilhei da dor e saudade, de se estar diante da partida do professor.
Fiquei sentindo junto essa passagem. Embora muitas pessoas atuem na educação, carregar o título de professor ao longo da vida, e ser reconhecido como tal, expressa para mim uma honra muito grande. Sempre senti muito a presença e as ideias do professor, também na pessoa de seus filhos, especialmente Márcia e Ricardo pelos tantos espaços em comum na área de educação.
Quando soube que o professor Iveraldo Lucena havia, conscientemente, decidido enfrentar com dignidade sua partida, diante da terminalidade de um câncer, lembrei muito de uma tia querida, que decidiu nos anos 1980 não acolher tratamentos invasivos. Ela conversou com minha mãe, com a filha dela, e decidiu viver, viver, e viver todo o que de pleno lhe cabia ainda naquele momento da vida. Eu tinha entre 11 e 12 anos.
A presença de minha tia em nossa casa naquele momento nos ensinou muito sobre o amor, o respeito, a dignidade na hora de partir, a aceitação de situações intransponíveis, ensinou sobre o que hoje chamam de cuidados paliativos em todas as suas etapas. Decidir o que fazer quando a morte chega para nós, quando há essa possibilidade ainda de escolher o que seja possível, penso que é uma atitude situada no campo espiritualidade profunda e de consciência apurada. Não é uma decisão fácil de ser tomada, mas certamente resulta de uma convicção que foi há muito sentida, percebida, pensada, refletida, compartilhada, e que ilumina não só a pessoa, mas a todas as pessoas ao seu redor.
As partidas sentidas nessa semana me levaram de volta a algumas cenas de dois filmes importantíssimos e emblemáticos para mim: As invasões bárbaras (Denys Arcand, 2003) e A Partida (Yojiro Takira, 2008), Rémy e Daigo Kobayashi são personagens nos ajudam muito a enfrentarmos alguns tabus relacionados à morte que sempre foi o grande tema da vida.
Submersos na pandemia da Covid-19, inevitavelmente passamos a conversar sobre essa experiência, sobretudo se não nos posicionamos indiferentes às perdas, e se com elas e através delas vamos refletindo sobre a narrativa da Vida. Pior que perder alguém pode ser posicionar as pessoas que partem na esfera do esquecimento.
Lembro do filme Coco (Lee Unkrich, 2017) em que um menino de 12 anos, Miguel Rivera, acidentalmente é levado ao mundo dos mortos. O filme trouxe consigo a cosmovisão sobre a morte a partir da cultura mexicana. Miguel Rivera nos instiga a cuidar da memória de quem seguiu, o que pode representar uma experiência de permanência do afeto, de aprendizado sobre si mesmo e sua história de vida, e de certo modo ajudar a superar “vazios” causados pela ausência física de quem amamos.
Gosto demais de lembrar de vó, vô, painho, mainha, tia Beza, Suely, Ivontônio porque é minha forma de reencontro, vejo suas fotos, reencontros suas histórias e poesias. Tem vez que eu rio, outras que choro, noutras silencio apenas. Há momentos em que suas presenças em meu mundo me envolvem de um modo que me torno uma grande abstração. E quando imagino essas pessoas amadas e seus tempos chega a mente imagens do universo acima de nossas cabeças: Luz e Mistério. E assim sigo iluminada por suas presenças até o momento de reencontro.
Talvez a gente precise ao longo da Vida compreender que ir é sobretudo uma necessidade de Ser Infinito.
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